quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O VERBO DE DEUS VIRÁ A NÓS

Dos Sermões de São Bernardo, abade

(Sermo 5 in Adventu Domini, 1-3: Opera omnia,

Edit. cisterc. 4 [1966], 188-190)

(Séc. XII)

Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta, não. Na primeira vinda o Senhor apareceu na terra e conviveu com os homens. Foi então, como ele próprio declara, que viram-no e não o quiseram receber. Na última, todo homem verá a salvação de Deus (Lc 3,6) e olharão para aquele que transpassaram (Zc 12,10). A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o vêem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira, o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária, vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última, virá com todo o esplendor da sua glória.

Esta vinda intermediária é, portanto, como um caminho que conduz da primeira à última; na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; na intermediária, é nosso repouso e consolação.

Mas, para que ninguém pense que é pura invenção o que dissemos sobre esta vinda intermediária, ouvi o próprio Senhor: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele (cf. Jo 14,23). Lê-se também noutro lugar: Quem teme a Deus, faz o bem (Eclo 15,1). Mas vejo que se diz algo mais sobre o que ama a Deus, porque guardará suas palavras. Onde devem ser guardadas? Sem dúvida alguma no coração, como diz o profeta: Conservei no coração vossas palavras, a fim de que eu não peque contra vós (Sl 118,11).

Guarda, pois, a palavra de Deus, porque são felizes os que a guardam; guarda-a de tal modo que ela entre no mais íntimo de tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e costumes. Alimenta-te deste bem e tua alma se deleitará na fartura. Não esqueças de comer o teu pão para que teu coração não desfaleça, mas que tua alma se sacie com este alimento saboroso.

Se assim guardares a palavra de Deus, certamente ela te guardará. Virá a ti o Filho em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém e fará novas todas as coisas. Graças a essa vinda, como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste (1Cor 15,49). Assim como o primeiro Adão contagiou toda a humanidade e atingiu o homem todo, assim agora é preciso que Cristo seja o senhor do homem todo, porque ele o criou, redimiu e o glorificará.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

A Admirável aliança entre Deus e o Homem



Dos Sermões de São Gregório Nazianzeno, bispo (Or. 45, 9 22.26.28; PG 36, 634-635, 654, 658-659.662)

O próprio Filho de Deus, aquele que é anterior aos séculos, o invisível, o inapreensível, o incorpóreo, princípio nascido do princípio, a luz nascida da luz, a fonte da vida e da imortalidade, a expressão do arquétipo, o sinete imutável, a imagem perfeita e a palavra do Pai, dirige-se à sua própria imagem; reveste-se de carne para salvar a carne, une-se a uma alma racional por causa da minha alma, a fim de purificar o semelhante pelo semelhante e assume tudo que é humano, exceto o pecado. Foi concebido por uma Virgem, purificada no corpo e na alma pelo Espírito Santo (pois convinha que tivesse a honra da maternidade e permanecesse virgem); e Deus nasce com a natureza humana que assumira, unificando duas coisas opostas, isto é, a carne e o espírito: uma deu a divindade e a outra a recebeu.

Aquele que enriquece os outros torna-se pobre; suporta a pobreza de minha carne para que eu obtenha os tesouros de sua divindade. Aquele que é pleno se esvazia; despoja-se de sua glória por breve tempo, para que eu participe de sua plenitude. Quais são essas riquezas de bondade? Qual é esse mistério que me concerne? Recebi a imagem divina e não a conservei. Ele assumiu minha carne para salvar a imagem e tornar a carne imortal, fazendo conosco uma segunda aliança, muito mais admirável que a primeira.

Convinha que a santidade fosse dada ao homem mediante a humanidade assumida por Deus; e deste modo, tendo vencido o tirano, nos libertasse e conduzisse a si por Seu Filho, nosso mediador. Este realizou a obra redentora para a glória do Pai, a quem evidentemente obedeceu em todas as coisas.

O bom Pastor, dando a vida por suas ovelhas, saiu à procura da ovelha desgarrada, nos lugares mesmo e ocasiões em que pecava. Tendo-a encontrado, tomou-se sobre os seus ombros – aqueles mesmos que suportaram o madeiro da cruz – e assim a reconduziu à vida eterna. Essa luz fulgurante segue a lâmpada que a precedeu, a Palavra segue a voz, o Esposo, o amigo do Esposo que prepara para o Senhor um povo perfeito e com a água purifica para o Espírito.

Para termos a vida, foi preciso que Deu se encarnasse e morresse. Morremos com Ele para sermos purificados; ressuscitamos com Ele, porque com Ele morremos; fomos glorificados com Ele, porque com Ele ressuscitamos.

O tempo do Advento

Das Cartas Pastorais de São Carlos Borromeu, bispo

(Acta Eclesiae Mediolanensis, t. 2, Lugduni, 1683,916-917))

(Séc. XVI)

O tempo do Advento

Caros filhos, eis chegado o tempo tão importante e solene

que, conforme diz o Espírito Santo, é o momento favorável, o

dia da salvação (cf. 2Cor 6,2), da paz e da reconciliação. É o

tempo que outrora os patriarcas e profetas tão ardentemente

desejaram com seus anseios e suspiros; o tão ardentemente

desejaram com seus anseios e suspiros; o tempo que o justo

Simeão finalmente pôde ver cheio de alegria, tempo celebrado

sempre com solenidade pela Igreja, e que também deve ser

constantemente vivido com fervor, louvando e agradecendo ao

Pai eterno pela misericórdia que nos revelou nesse mistério.

Em seu imenso amor por nós pecadores, o Pai enviou seu Filho

único a fim de libertar-nos da tirania e do poder do demônio,

convidar-nos para o céu, revelar-nos os mistérios do seu reino

celeste, mostrar-nos a luz da verdade, ensinar-nos a

honestidade dos costumes, comunicar-nos os germes das

virtudes, enriquecer-nos com os tesouros da sua graça e, enfim,

adotar-nos como seus filhos e herdeiros da vida eterna.

Celebrando cada ano este mistério, a Igreja nos exorta a

renovar continuamente a lembrança de tão grande amor de

Deus para conosco. Ensina-nos também que a vinda de Cristo

não foi proveitosa apenas para os seus contemporâneos, mas

que a sua eficácia é comunicada a todos nós se, mediante a fé e

os sacramentos, quisermos receber a graça que ele nos

prometeu, e orientar nossa vida de acordo com os seus

ensinamentos.

A Igreja deseja ainda ardentemente fazer-nos compreender

que o Cristo, assim como veio uma só vez a este mundo,

revestido da nossa carne, também está disposto a vir de novo, a

qualquer momento, para habitar espiritualmente em nossos

corações com a profusão de suas graças, se não opusermos

resistência.

Por isso, a Igreja, como mãe amantíssima e cheia de zelo

pela nossa salvação, nos ensina durante este tempo, com

diversas celebrações, com hinos, cânticos e outras palavras do

Espírito Santo, como receber convenientemente e de coração

agradecido este imenso benefício e a enriquecer-nos com seus

frutos, de modo que nos preparemos para a chegada de Cristo

nosso Senhor com tanta solicitude como se ele estivesse para

vir novamente ao mundo. É com esta diligência e esperança

que os patriarcas do Antigo Testamento nos ensinaram, tanto

em palavras como em exemplos, a preparar a sua vinda.



segunda-feira, 28 de novembro de 2011

As Duas Vindas de Cristo


Das Catequeses de São Cirilo de Jerusalém, bispo (Cat. 15, 1-3; PG 33 870-874)

Anunciamos a vinda de Cristo; não a primeira apenas, mas também a segunda, muito mais deslumbrante. Pois a primeira foi marcada com o signo da paciência, mas a outra ostentará a coroa da realeza divina.

Aliás, tudo que concerne a Nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre uma dupla dimensão. Houve um duplo nascimento; primeiro Ele nasceu de Deus, antes dos séculos, depois nasceu da Virgem, na plenitude dos tempos. Dupla descida: uma discreta como a chuva sobre o velo, outra no esplendor, a que vai se realizar.

Na primeira vinda Ele foi envolto em faixas e reclinado no presépio; na segunda, será revestido de luz como de um manto. Na primeira Ele suportou a cruz e desprezou a ignomínia; na Segunda virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos. Não nos detemos, portanto, somente na primeira vinda, mas esperamos, ainda, ansiosamente, a Segunda. E assim como dissemos na primeira: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor”, clamaremos de novo, no momento da segunda vinda, quando formos com os anjos ao encontro do Senhor para adorá-lo: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor”.

Virá o Salvador, não para ser de novo julgado, mas para chamar a juízo aqueles que se constituíram seus juízes. Ele, que ao ser julgado guardara silêncio, dirá aos que ousaram insultá-lO quando pendia da cruz: “Eis o que fizeste e calei-me”.

Ele viera então realizar um desígnio de amor, ensinando aos homens com persuasão e doçura; mas naquele dia, queiram ou não, ver-se-ão obrigado a submeter-se à sua realeza.

O profeta Malaquias fala dessas duas vindas: “Virá repentinamente ao seu templo santo o Senhor que buscais”. Eis uma vinda.

E prossegue, a respeito de outra: “E o Anjo da aliança que desejais, ei-lo que vem, o Senhor Todo Poderoso! Quem poderá suportar o dia de sua vinda? Quem poderá resistir quando ele aparecer?
Porque Ele é como fogo do fundidor e como a barrela dos lavadeiros: sentar-se-á para fundir e purificar”.

Paulo alude a essas duas vindas quando escreve a Tito: “Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens. Veio ensinar-nos a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos e a viver neste mundo com sobriedade, justiça e piedade, aguardando a realização da feliz esperança e manifestação da glória de nosso grande Deus e salvador Jesus Cristo”, Vês como ele fala da primeira vinda, pela qual dá graça, e da Segunda, que esperamos?

Por isso o símbolo da fé que professamos nos é agora transmitido, convidando-nos a crer naquele que “subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim”.

Nosso Senhor Jesus Cristo virá portanto do céu, virá glorioso no fim do mundo, no último dia. Dar-se-á a consumação do mundo e este mundo que foi feito será inteiramente renovado.