segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

DEUS NOS FALOU PELO CRISTO


Do Tratado “A subida do Monte Carmelo”, de São João da Cruz, presbítero

(Lib. 2, cap. 22)

(Séc. XVI)

O motivo principal por que na antiga Lei eram lícitas as perguntas feitas a Deus, e convinha aos profetas e sacerdotes desejarem visões e revelações divinas, era não estar ainda bem fundada a fé nem estabelecida a Lei evangélica. Era assim necessário que se interrogasse a Deus e ele respondesse, ora por palavras, ora por visões e revelações, ora por meio de figuras e símbolos ou finalmente por muitas outras maneiras de expressão. Porque tudo o que respondia, falava e revelava, eram mistérios da nossa fé ou verdades que a ela se referiam ou a ela conduziam.

Agora, já estando firmada a fé em Cristo e promulgada a Lei evangélica nesta era de graça, não há mais razão para perguntar a Deus, daquele modo, nem para que ele responda como antigamente. Ao dar-nos, como nos deu, o seu Filho, que é a sua única Palavra (e não há outra), disse-nos tudo de uma vez nessa Palavra e nada mais tem a dizer.

É este o sentido do texto em que São Paulo busca persuadir os hebreus a se afastarem daqueles primitivos modos de tratar com Deus, previstos na lei de Moisés, e a fixarem os olhos unicamente em Cristo, dizendo: Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora aos nossos pais, pelos profetas; nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio de seu Filho(Hb 1,1-2). Por estas palavras o Apóstolo dá a entender que Deus emudeceu, por assim dizer, e nada mais tem a falar, pois o que antes dizia em parte aos profetas, agora nos revelou no todo, dando-nos o Tudo, que é o seu Filho.

Se agora, portanto, alguém quisesse interrogar a Deus, ou pedir-lhe alguma visão ou revelação, faria injúria a Deus não pondo os olhos totalmente em Cristo, sem querer outra coisa ou novidade alguma. Deus poderia responder-lhe deste modo: Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o! (Mt 17,5). Já te disse todas as coisas em minha Palavra. Põe os olhos unicamente nele, pois nele tudo disse e revelei, e encontrarás ainda mais do que pedes e desejas.

Desde o dia em que, no Tabor, desci com meu Espírito sobre ele, dizendo: Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!, aboli todas as antigas maneiras de ensinamento e resposta. Se falava antes, era para prometer o Cristo; se me interrogavam, eram perguntas relacionadas com o pedido e a esperança da vinda do Cristo, no qual haviam de encontrar todo o bem – como agora o demonstra toda a doutrina dos evangelhos e dos apóstolos.

UMA VOZ CLAMA NO DESERTO


Dos Comentários sobre o Profeta Isaías, de Eusébio de Cesaréia, bispo

(Cap. 40: PG 24,366-367)

(Séc. IV)

Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, aplainai a estrada de nosso DeusÓ (Is 40,3). O profeta afirma claramente que não será em Jerusalém, mas no deserto que se realizará esta profecia, isto é, a manifestação da glória do Senhor e o anúncio da salvação de Deus para toda a humanidade.

Na verdade, tudo isto se realizou literalmente na história, quando João Batista anunciou no deserto do Jordão a vinda salvífica de Deus e ali se revelou a salvação de Deus. De fato, Cristo manifestou-se a todos em sua glória quando, depois de seu batismo, os céus se abriram e o Espírito Santo, descendo em forma de pomba, pousou sobre ele; e a voz do Pai se fez ouvir, dando testemunho do Filho: Este é o meu Filho amado, escutai-o (Mt 17,5).

Estas coisas foram ditas porque Deus deveria vir ao deserto, desde sempre fechado e inacessível. Com efeito, todas as nações pagãs estavam privadas do conhecimento de Deus, e os homens justos e os profetas de Deus nunca haviam penetrado nelas.

Por este motivo, a voz ordena que se prepare um caminho para a Palavra de Deus e se aplainem os terrenos escarpados e ásperos, a fim de que o nosso Deus possa entrar quando vier.Preparai o caminho do Senhor (Mc 1,3): é esta a pregação evangélica que traz um novo consolo e deseja ardentemente que o anúncio da salvação de Deus chegue a todos os homens.

Sobe a um alto monte, tu, que trazes a boa-nova a Sião. Levanta com força a voz, tu, que trazes a boa-nova a Jerusalém (Is 40,9). Depois que se mencionou a voz que clama no deserto, convêm perfeitamente estas palavras, que se referem aos evangelistas e anunciam a vinda de Deus entre os homens. De fato, a alusão aos evangelistas devia logicamente seguir a profecia sobre João Batista.

Que Sião é esta, senão a que antes se chamava Jerusalém? Era realmente um monte, como declara esta palavra da Escritura: O monte Sião que escolhestes para morada (Sl 73,2). E o Apóstolo: Vós vos aproximastes do monte de Sião (Hb 12,22). Não será uma alusão ao grupo dos apóstolos, escolhido entre o antigo povo da circuncisão?

Tal é, pois, Sião ou Jerusalém, que recebeu a salvação de Deus, e que foi edificada sobre o monte de Deus, isto é, sobre o Verbo, seu Filho único. A ela, que subiu ao alto monte, é que Deus ordena anunciar a palavra da salvação. Mas quem anuncia a boa-nova, senão o coro dos evangelistas? E o que significa anunciar a boa-nova? É proclamar a todos os homens, e em primeiro lugar às cidades de Judá, a vinda de Cristo à terra.

ESPERAMOS O QUE NÃO VEMOS



Do Tratado sobre o bem da paciência, de São Cipriano, bispo e mártir

(Nn. 13 et 15: CSEL 3,406-408)

(Séc. III)

É este o preceito salvífico de nosso Senhor e Mestre: Quem perseverar até o fim, será salvo (Mt 10,22). E ainda: Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará (Jo 8,31-32).

É preciso ter paciência e perseverar, irmãos caríssimos, para que, tendo sido introduzidos na esperança da verdade e da liberdade, possamos chegar à verdade e à liberdade. O fato de sermos cristãos exige que tenhamos fé e esperança, mas a paciência é necessária para que elas possam dar seus frutos.

Nós não buscamos a glória presente, mas a futura, como também ensina o Apóstolo Paulo: Já fomos salvos, mas na esperança. Ora, o objeto da esperança não é aquilo que se vê; como pode alguém esperar o que já vê? Mas se esperamos o que não vemos, é porque o estamos aguardando mediante a perseverança (Rm 8,24-25). A esperança e a paciência são necessárias para levarmos a bom termo o que começamos a ser e para conseguirmos aquilo que, tendo-nos sido apresentado por Deus, esperamos e acreditamos.

Noutro lugar, o mesmo Apóstolo ensina os justos, os que praticam o bem e os que acumulam para si tesouros no céu, na esperança da felicidade eterna, a serem também pacientes, dizendo: Portanto, enquanto temos tempo, façamos o bem a todos, principalmente aos irmãos na fé. Não desanimemos de fazer o bem, pois no tempo devido haveremos de colher, sem desânimo (Gl 6,10.9).

Ele recomenda a todos que não deixem de fazer o bem por falta de paciência; que ninguém, vencido ou desanimado pelas tentações, desista no meio do caminho do mérito e da glória, e venha a perder as boas obras já feitas, por não ter levado até o fim o que começou.

Finalmente, o Apóstolo, ao falar da caridade, une a ela a tolerância e a paciência. A caridade, diz ele, é paciente, é benigna; não é invejosa, não se ensoberbece, não se encoleriza, não suspeita mal; tudo ama, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (1Cor 13,4-5). Ensina-nos, portanto, que só a caridade pode permanecer, porque é capaz de tudo suportar.

E noutra passagem diz: Suportai-vos uns aos outros com amor; aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz (Ef 4,2b-3). Provou deste modo que só é possível conservar a união e a paz quando os irmãos se suportam mutuamente e guardam, mediante a paciência, o vínculo da concórdia.

O DESEJO DE CONTEMPLAR A DEUS



Do livro “Proslógion”, de Santo Anselmo, bispo

(Cap. I: Opera omnia, Edit. Schmitt, Seccovii, 1938, 1,97-100)

(Séc. XII)

Vamos, coragem, pobre homem! Foge um pouco de tuas ocupações. Esconde-te um instante do tumulto de teus pensamentos. Põe de parte os cuidados que te absorvem e livra-te das preocupações que te afligem. Dá um pouco de tempo a Deus e repousa nele.

Entra no íntimo de tua alma, afasta tudo de ti, exceto Deus ou o que possa ajudar-te a procurá-lo; fecha a porta e põe-te à sua procura. Agora fala, meu coração, abre-te e dize a Deus: Busco a vossa face; Senhor, é a vossa face que eu procuro (Sl 26,8).

E agora, Senhor meu Deus, ensinai a meu coração onde e como vos procurar, onde e como vos encontrar.

Senhor, se não estais aqui, se estais ausente, onde vos procurarei? E se estais em toda parte, por que não vos encontro presente? É certo que habitais numa luz inacessível, mas onde está essa luz inacessível e como chegarei a ela? Quem me conduzirá e nela me introduzirá, para que nela eu vos veja? E depois, com que sinais e sob que aspecto vos devo procurar? Nunca vos vi, Senhor meu Deus, não conheço a vossa face.

Que pode fazer, altíssimo Senhor, que pode fazer este exilado longe de vós? Que pode fazer este vosso servo, sedento do vosso amor, mas tão longe da vossa presença? Aspira ver-vos, mas vossa face se esconde inteiramente dele. Deseja aproximar-se de vós, mas vossa morada é inacessível. Aspira encontrar-vos, mas não sabe onde estais. Tenta procurar-vos, mas desconhece a vossa face.

Senhor, vós sois o meu Deus, o meu Senhor, e nunca vos vi. Vós me criastes e redimistes, destes-me todos os meus bens e ainda não vos conheço. Fui criado para vos ver e ainda não fiz aquilo para que fui criado.

E vós, Senhor, até quando? Até quando, Senhor, nos esquecereis, até quando nos ocultareis a vossa face? Quando nos olhareis e nos ouvireis? Quando iluminareis os nossos olhos, e nos mostrareis a vossa face? Quando voltareis a nós?

Olhai-nos, Senhor, ouvi-nos, mostrai-vos a nós. Dai-nos novamente a vossa presença para sermos felizes, pois sem vós somos tão infelizes! Tende piedade dos rudes esforços que fazemos para alcançar-vos, nós que nada podemos sem vós.

Ensinai-me a vos procurar e mostrai-vos quando vos procuro; pois não posso procurar-vos se não me ensinais nem encontrar-vos se não vos mostrais. Que desejando eu vos procure, procurando vos deseje, amando vos encontre, e encontrando vos ame.

VIGIAI: CRISTO VIRÁ DE NOVO

Do comentário de santo Efrém, diácono, sobre o Diastessaron
(Cap. 18, 15-17: SC 121, 325-328)

A fim de impedir os discípulos de o interrogarem sobre a ocasião de sua vinda, disse-lhes Cristo: “Àquela hora, ninguém a conhece, nem os anjos, nem o Filho”, (Mt24,36). “Não vos compete saber o tempo e o momento” (At 1,7). Ocultou-nos isso para que ficássemos vigilantes e todos pudéssemos pensar que esse acontecimento se daria diante da vida. Se tivesse revelado o tempo de sua vinda, esta deixaria de atrair e não seria mais desejada pelos povos da época em que se manifestará. Ele disse que viria, mas não declarou o momento e por isso todas as gerações e todos os séculos o esperam ardentemente.

Embora o Senhor tivesse indicado os sinais de sua vinda, não se vê exatamente o último deles, pois, numa mudança continua, esses sinais apareceram e passaram e mesmo perduram ainda. Sua última vinda é igual à primeira.

Os justos e os profetas o desejavam, pensando que se manifestaria em seu tempo; do mesmo modo cada um dos fiéis de hoje deseja recebê-lo em sua época, pois ele não disse claramente o dia em que viria. E isto, sobretudo para ninguém pensar que está submetido a uma determinação e hora, ele que domina os números e os tempos. Como lhe poderia estar oculto, a ele que descreveu os sinais de sua vinda, o que ele próprio estabeleceu? O Senhor pôs em relevo esses sinais para que, desde o primeiro dia, os povos de todos os séculos pensassem que ele viria no próprio tempo deles.

Permanecei vigilantes porque, quando o corpo dorme, é a natureza que nos domina e nossa atividade é então dirigida, não por nossa vontade, mas pelos impulsos da natureza. E quando a alma está dominada por um pesado torpor de pusilanimidade ou tristeza, é o inimigo que a domina e conduz, mesmo contra sua vontade. Os impulsos dominam a natureza e o inimigo domina a alma.

Eis por que o Senhor recomendou ao homem a vigilância de todo o seu ser, para que o corpo evite cair num pesado sono e a alma no entorpecimento. Assim diz a Escritura: “Vigia, justo” e “Despertei e ainda estou contigo”; e ainda: “Não desanimeis”. “Eis por que não desanimamos no ministério que nos foi confiado”.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O VERBO DE DEUS VIRÁ A NÓS

Dos Sermões de São Bernardo, abade

(Sermo 5 in Adventu Domini, 1-3: Opera omnia,

Edit. cisterc. 4 [1966], 188-190)

(Séc. XII)

Conhecemos uma tríplice vinda do Senhor. Entre a primeira e a última há uma vinda intermediária. Aquelas são visíveis, mas esta, não. Na primeira vinda o Senhor apareceu na terra e conviveu com os homens. Foi então, como ele próprio declara, que viram-no e não o quiseram receber. Na última, todo homem verá a salvação de Deus (Lc 3,6) e olharão para aquele que transpassaram (Zc 12,10). A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o vêem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira, o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária, vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última, virá com todo o esplendor da sua glória.

Esta vinda intermediária é, portanto, como um caminho que conduz da primeira à última; na primeira, Cristo foi nossa redenção; na última, aparecerá como nossa vida; na intermediária, é nosso repouso e consolação.

Mas, para que ninguém pense que é pura invenção o que dissemos sobre esta vinda intermediária, ouvi o próprio Senhor: Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele (cf. Jo 14,23). Lê-se também noutro lugar: Quem teme a Deus, faz o bem (Eclo 15,1). Mas vejo que se diz algo mais sobre o que ama a Deus, porque guardará suas palavras. Onde devem ser guardadas? Sem dúvida alguma no coração, como diz o profeta: Conservei no coração vossas palavras, a fim de que eu não peque contra vós (Sl 118,11).

Guarda, pois, a palavra de Deus, porque são felizes os que a guardam; guarda-a de tal modo que ela entre no mais íntimo de tua alma e penetre em todos os teus sentimentos e costumes. Alimenta-te deste bem e tua alma se deleitará na fartura. Não esqueças de comer o teu pão para que teu coração não desfaleça, mas que tua alma se sacie com este alimento saboroso.

Se assim guardares a palavra de Deus, certamente ela te guardará. Virá a ti o Filho em companhia do Pai, virá o grande Profeta que renovará Jerusalém e fará novas todas as coisas. Graças a essa vinda, como já refletimos a imagem do homem terrestre, assim também refletiremos a imagem do homem celeste (1Cor 15,49). Assim como o primeiro Adão contagiou toda a humanidade e atingiu o homem todo, assim agora é preciso que Cristo seja o senhor do homem todo, porque ele o criou, redimiu e o glorificará.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

A Admirável aliança entre Deus e o Homem



Dos Sermões de São Gregório Nazianzeno, bispo (Or. 45, 9 22.26.28; PG 36, 634-635, 654, 658-659.662)

O próprio Filho de Deus, aquele que é anterior aos séculos, o invisível, o inapreensível, o incorpóreo, princípio nascido do princípio, a luz nascida da luz, a fonte da vida e da imortalidade, a expressão do arquétipo, o sinete imutável, a imagem perfeita e a palavra do Pai, dirige-se à sua própria imagem; reveste-se de carne para salvar a carne, une-se a uma alma racional por causa da minha alma, a fim de purificar o semelhante pelo semelhante e assume tudo que é humano, exceto o pecado. Foi concebido por uma Virgem, purificada no corpo e na alma pelo Espírito Santo (pois convinha que tivesse a honra da maternidade e permanecesse virgem); e Deus nasce com a natureza humana que assumira, unificando duas coisas opostas, isto é, a carne e o espírito: uma deu a divindade e a outra a recebeu.

Aquele que enriquece os outros torna-se pobre; suporta a pobreza de minha carne para que eu obtenha os tesouros de sua divindade. Aquele que é pleno se esvazia; despoja-se de sua glória por breve tempo, para que eu participe de sua plenitude. Quais são essas riquezas de bondade? Qual é esse mistério que me concerne? Recebi a imagem divina e não a conservei. Ele assumiu minha carne para salvar a imagem e tornar a carne imortal, fazendo conosco uma segunda aliança, muito mais admirável que a primeira.

Convinha que a santidade fosse dada ao homem mediante a humanidade assumida por Deus; e deste modo, tendo vencido o tirano, nos libertasse e conduzisse a si por Seu Filho, nosso mediador. Este realizou a obra redentora para a glória do Pai, a quem evidentemente obedeceu em todas as coisas.

O bom Pastor, dando a vida por suas ovelhas, saiu à procura da ovelha desgarrada, nos lugares mesmo e ocasiões em que pecava. Tendo-a encontrado, tomou-se sobre os seus ombros – aqueles mesmos que suportaram o madeiro da cruz – e assim a reconduziu à vida eterna. Essa luz fulgurante segue a lâmpada que a precedeu, a Palavra segue a voz, o Esposo, o amigo do Esposo que prepara para o Senhor um povo perfeito e com a água purifica para o Espírito.

Para termos a vida, foi preciso que Deu se encarnasse e morresse. Morremos com Ele para sermos purificados; ressuscitamos com Ele, porque com Ele morremos; fomos glorificados com Ele, porque com Ele ressuscitamos.

O tempo do Advento

Das Cartas Pastorais de São Carlos Borromeu, bispo

(Acta Eclesiae Mediolanensis, t. 2, Lugduni, 1683,916-917))

(Séc. XVI)

O tempo do Advento

Caros filhos, eis chegado o tempo tão importante e solene

que, conforme diz o Espírito Santo, é o momento favorável, o

dia da salvação (cf. 2Cor 6,2), da paz e da reconciliação. É o

tempo que outrora os patriarcas e profetas tão ardentemente

desejaram com seus anseios e suspiros; o tão ardentemente

desejaram com seus anseios e suspiros; o tempo que o justo

Simeão finalmente pôde ver cheio de alegria, tempo celebrado

sempre com solenidade pela Igreja, e que também deve ser

constantemente vivido com fervor, louvando e agradecendo ao

Pai eterno pela misericórdia que nos revelou nesse mistério.

Em seu imenso amor por nós pecadores, o Pai enviou seu Filho

único a fim de libertar-nos da tirania e do poder do demônio,

convidar-nos para o céu, revelar-nos os mistérios do seu reino

celeste, mostrar-nos a luz da verdade, ensinar-nos a

honestidade dos costumes, comunicar-nos os germes das

virtudes, enriquecer-nos com os tesouros da sua graça e, enfim,

adotar-nos como seus filhos e herdeiros da vida eterna.

Celebrando cada ano este mistério, a Igreja nos exorta a

renovar continuamente a lembrança de tão grande amor de

Deus para conosco. Ensina-nos também que a vinda de Cristo

não foi proveitosa apenas para os seus contemporâneos, mas

que a sua eficácia é comunicada a todos nós se, mediante a fé e

os sacramentos, quisermos receber a graça que ele nos

prometeu, e orientar nossa vida de acordo com os seus

ensinamentos.

A Igreja deseja ainda ardentemente fazer-nos compreender

que o Cristo, assim como veio uma só vez a este mundo,

revestido da nossa carne, também está disposto a vir de novo, a

qualquer momento, para habitar espiritualmente em nossos

corações com a profusão de suas graças, se não opusermos

resistência.

Por isso, a Igreja, como mãe amantíssima e cheia de zelo

pela nossa salvação, nos ensina durante este tempo, com

diversas celebrações, com hinos, cânticos e outras palavras do

Espírito Santo, como receber convenientemente e de coração

agradecido este imenso benefício e a enriquecer-nos com seus

frutos, de modo que nos preparemos para a chegada de Cristo

nosso Senhor com tanta solicitude como se ele estivesse para

vir novamente ao mundo. É com esta diligência e esperança

que os patriarcas do Antigo Testamento nos ensinaram, tanto

em palavras como em exemplos, a preparar a sua vinda.



segunda-feira, 28 de novembro de 2011

As Duas Vindas de Cristo


Das Catequeses de São Cirilo de Jerusalém, bispo (Cat. 15, 1-3; PG 33 870-874)

Anunciamos a vinda de Cristo; não a primeira apenas, mas também a segunda, muito mais deslumbrante. Pois a primeira foi marcada com o signo da paciência, mas a outra ostentará a coroa da realeza divina.

Aliás, tudo que concerne a Nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre uma dupla dimensão. Houve um duplo nascimento; primeiro Ele nasceu de Deus, antes dos séculos, depois nasceu da Virgem, na plenitude dos tempos. Dupla descida: uma discreta como a chuva sobre o velo, outra no esplendor, a que vai se realizar.

Na primeira vinda Ele foi envolto em faixas e reclinado no presépio; na segunda, será revestido de luz como de um manto. Na primeira Ele suportou a cruz e desprezou a ignomínia; na Segunda virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos. Não nos detemos, portanto, somente na primeira vinda, mas esperamos, ainda, ansiosamente, a Segunda. E assim como dissemos na primeira: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor”, clamaremos de novo, no momento da segunda vinda, quando formos com os anjos ao encontro do Senhor para adorá-lo: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor”.

Virá o Salvador, não para ser de novo julgado, mas para chamar a juízo aqueles que se constituíram seus juízes. Ele, que ao ser julgado guardara silêncio, dirá aos que ousaram insultá-lO quando pendia da cruz: “Eis o que fizeste e calei-me”.

Ele viera então realizar um desígnio de amor, ensinando aos homens com persuasão e doçura; mas naquele dia, queiram ou não, ver-se-ão obrigado a submeter-se à sua realeza.

O profeta Malaquias fala dessas duas vindas: “Virá repentinamente ao seu templo santo o Senhor que buscais”. Eis uma vinda.

E prossegue, a respeito de outra: “E o Anjo da aliança que desejais, ei-lo que vem, o Senhor Todo Poderoso! Quem poderá suportar o dia de sua vinda? Quem poderá resistir quando ele aparecer?
Porque Ele é como fogo do fundidor e como a barrela dos lavadeiros: sentar-se-á para fundir e purificar”.

Paulo alude a essas duas vindas quando escreve a Tito: “Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens. Veio ensinar-nos a renunciar à impiedade e aos desejos mundanos e a viver neste mundo com sobriedade, justiça e piedade, aguardando a realização da feliz esperança e manifestação da glória de nosso grande Deus e salvador Jesus Cristo”, Vês como ele fala da primeira vinda, pela qual dá graça, e da Segunda, que esperamos?

Por isso o símbolo da fé que professamos nos é agora transmitido, convidando-nos a crer naquele que “subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim”.

Nosso Senhor Jesus Cristo virá portanto do céu, virá glorioso no fim do mundo, no último dia. Dar-se-á a consumação do mundo e este mundo que foi feito será inteiramente renovado.